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QUARTOS

Hugo de Paula – Reminiscências
M Cleide R. Paula

         Vivendo num clima de saudade e reflexão sobre os trinta e dois anos que convivi com Hugo de Paula, tenho em mente inúmeras histórias contadas por ele sobre sua origem, família, infância vivida no engenho Boa Esperança, distrito de Bom Jardim – PE, e de quando era estudante do colégio Carneiro Leão, Ginásio Pernambucano, Faculdade de Arquitetura no Recife – Colégio Monsenhor Fabrício em Olinda, como professor e também onde ele teve o seu primeiro atelier de pintura. Tudo muito reservado e sem permissão de acesso à ninguém. Só mostrava os seus desenhos ou esculturas depois de prontos.
 

      Quando o conheci ele era viúvo e tinha um filho já adulto, Paulo Luiz Paula e eu uma cearense que morava também no Rio de Janeiro e era estudante universitária. Nosso primeiro contato foi pelo telefone no final de 1979. Uma ligação errada.  Ele voltou a me telefonar e depois de um mês de muita conversa entre nordestinos nos encontramos. Após alguns contatos as suas mãos me chamaram atenção: eram longas, macias, me transmitiam algo relacionado à sua profissão. Como sou muito ligada à música imaginei que ele tocava algum instrumento musical, piano, por exemplo. Quando lhe falei desse meu pensamento provoquei-lhe boas risadas, mas naquele momento não me falou que pintava, só algum tempo depois. 
 

      Após oito meses do nosso primeiro contato estávamos casados e tinha comigo uma pessoa de personalidade forte, bom caráter, amigo que me transmitiu desde quando o conheci até o final de sua vida neste plano em 2013, muita lealdade, confiança, cumplicidade e amor que nos envolveu por todo o tempo em que estivemos juntos. Amor esse que superou as dificuldades e obstáculos que a vida nos mostrou e nos ensinou como superá-los e vencê-los. Éramos bem diferentes e quando me via diante dessas diferenças serviam-me como referência e o modo de vida que eu não queria ser nem viver, pois ele era muito introspectivo, pessimista embora ele se dizia “realista”. Mas, eram diferenças daquelas que só nos fazem crescer. 


        Hugo viveu no Rio de Janeiro por mais de sessenta anos. Era uma pessoa dotada de sensibilidade intensa, muito reservado, tímido, não gostava de se expor ou mostrar seu trabalho. Sobre o seu acervo dizia que “um dia seria mostrado e admirado: ele deu o seu recado”. Falava que quando  ele não estivesse mais nessa vida, eu saberia o que fazer com as obras. Sempre falei que começaria a mostrar no Recife, pois já  tive oportunidade e fiz quatro exposições das obras no  Rio de Janeiro. Ele tinha grande necessidade de expressar o que ele nunca esqueceu: suas raízes, os costumes, o folclore pernambucano, lembranças inesquecíveis como ele mesmo mostrou nos seus desenhos e pinturas. As figuras humanas, pessoas simples sempre o atraiu como seus personagens e cenário que lhe deram uma identidade própria. Registrou as festas populares, os pregões pernambucano da sua época, o ciclo da cana-de-açúcar, o cotidiano da vida no engenho banguê no qual passou sua infância, o camponês no seu labor, a vida simples do interior, o Brasil colonial... com uma riqueza de detalhes, com traços próprios e bem definidos no seu trabalho.  Ver-se tudo isso nas obras: Antigos Carnavais, Bumba-meu-boi, O Frevo, O Baile, Novena, Engenho Banguê, Brasil 500 Anos, Olinda, Paisagem em Pernambuco, O Circo, Cais do Porto, Rio de Janeiro, e muito mais. 


        Sua primeira manifestação no desenho se deu quando ele era aluno do professor Calais por volta de seus dez anos de idade e este pediu aos alunos que desenhassem uma “açucena”.  Ao invés de rosa, ou alguma coisa do gênero, ele fez o que tinha na sua imaginação, no pensamento. Ele desenhou o engenho e as tachas fervendo o caldo de cana e virando melado, naturalmente... Por esse desenho tão diferente do que o mestre educador pediu, o aluno ficou de castigo de acordo com a didática educacional da época. O professor não entendeu o desenho e muito menos o aluno. Contava ele; mas muito tempo depois ele mesmo reconhecia que tinha feito uma composição sobre o seu cotidiano da vida no engenho.


        O Pintor Hugo de Paula contava-me muitas histórias detalhando fatos sobre Pernambuco, de quando seus pais vieram morar no centro da cidade do Recife, na Rua das Pernambucanas, Rua das Creolas, Avenida Caxangá, sobre o Engenho da Casa Forte que deu nome ao bairro do Recife; de quando morou em Olinda e sua temporada de praia que ocorria de outubro a dezembro; das festas dos padroeiros de Bom Jardim e Limoeiro. Este último a festa de São Sebastião, os costumes e tradições das famílias como as festas de final de ano. O Natal era comemorado no engenho Passassunga de propriedade do seu avô materno, Dr. Manoel Tertuliano Arruda. Lá acontecia missa, baile e encontro de familiares. Cada família chegava de cabriolé, carro-de-boi, ou outro tipo de transporte usado para a ocasião. A banda de música era formada pelos seus tios, mas quem tocava nos “pratos” da banda era um trabalhador do engenho Boa Esperança de propriedade do seu pai, Major Adauto. Para essa ocasião o músico dos “pratos” pintava o seu chapéu de palha com cal e assim se sentia a altura dos demais músicos. O referido músico dos” pratos” passava o ano feliz na expectativa do encontro anual ou por um outro acontecimento de igual importância. Hugo ainda garoto, naquela época menino não tinha voz nem vez, ficava sempre a observar os adultos. Uma pessoa que chamava sempre a sua atenção era o vigário de Bom Jardim. Quando este chegava na sacristia para celebrar a missa na capela do engenho Passassunga, pedia para lavar as mãos e como naquela época não existia instalação hidráulica também na capela, o padre pedia que colocasse aguardente nas suas mãos para lavar as mesmas. E quando era Hugo praticava essa ação observava que o padre levava as mãos juntas e cheias de aguardente à boca e bebia. Os paramentos do vigário também o deixava em estado de admiração: tinha um carneiro bordado em alto relevo com pedras preciosas!


       Hugo de Paula tinha o hábito de ler muito!   Era um grande conhecedor das artes plásticas, do desenho, das Escolas e seus pintores em destaque em cada uma delas. Nas suas obras encontram-se técnicas das escolas impressionista, expressionista, cubista, abstracionista. Quando falava da sua arte, dizia que “busco apenas uma forma plástica para minhas emoções”!  Tinha verdadeira admiração por Van Gogh. Chegou a ser proprietário de um restaurante em Copacabana no Rio de Janeiro por um curto período de tempo em 1980, e como homenagem ao pintor holandês o restaurante na Rua Mascarenha de Morais se chamou Van Gogh e sua melhor sobremesa também levava o mesmo nome. Lembrava muitas passagens da vida dos pintores: Pablo Picasso, Marc Chagall, Joan Miró, Lasar Segall e muitos outros. Os impressionistas franceses também lhes davam muito prazer em seus comentários.  Elogiava os pintores brasileiros. Di Cavalcanti, (admirava o lirismo nos seus desenhos), das técnicas de Cândido Portinari, Cícero Dias e do grande amigo ilustrador Tomaz Santa Rosa. Manoel Bandeira, o pintor e Manuel Bandeira o poeta!  Do poeta ele dizia que o reverenciava sempre que recitava Evocação do Recife. Ele sabia de cor e aprendi alguns trechos de tanto ouvi-lo. 


        Por tudo isso, nos propomos a mostrar nessa exposição e no blog, ao Nordeste, ao Brasil e ao mundo a mensagem que Hugo deixou através da sua obra, os valores, costumes e tradições de um pedacinho do Brasil chamado Pernambuco, visse?

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