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SALAS

Minha primeira impressão         Lía Miceli López Lecube

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      O trabalho do artista foi construído da metade da década do 1930 até a primeira década do século XXI, preferindo sempre o desenho como primeiro esboço da obra e passando depois, precisamente nos anos 1974 e 2005, para tela.

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     A concepção das obras de Hugo foi sempre dentro do maior sigilo, um artista reservado, introvertido, discreto. Por isso, a obra dele é inédita em Pernambuco e no Brasil. Amante da obra de seus contemporâneos Cícero Dias, Di Cavalcanti, Portinari, Goeldi, para citar alguns que podem ser apreciados dentro da leitura da obra do artista, ele não se contaminou. Hugo de Paula conseguiu permanecer dentro de seu próprio estilo, assinando cada obra com seu traço e cunho.

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     Desde o primeiro contato com a sua obra, no final do ano 2014, a prevalência da cor azul como uma constante em suas pinturas chamou minha atenção, gerando-me muitas leituras sobre o seu uso. Azul, para dar profundidade ou para marcar a realidade obscura da vida, ou a luz plástica que dá vida aos personagens e figuras que ele gostava de observar, ou podemos dizer, também, que essa cor coloca em destaque “um submundo”, seja ele presente e real, ou produto da reconstrução de uma lembrança. Essas, entre outras, serão as questões que os críticos, amantes da arte e pesquisadores podem aportar a partir da divulgação e conhecimento da obra de José Hugo Arruda de Paula.

 

     A proposta expositiva apresenta um recorte com mais de 200 obras e tem como finalidade resgatar um artista desconhecido que soube observar a evolução, durante décadas, do povo brasileiro, da sua cultura popular, do Interior rural, da vida nos engenhos, ilustrar os mitos e histórias que foram transmitidas para ele, durante sua infância, e que são visitados em sua obra. Tudo o que ele desenhou e pintou foi a partir de sua própria experiência, real ou imaginada, produto do convívio e de sua formação acadêmica e autodidata. Nada foi construído a partir de “imagens” estranhas à sua vida e suas emoções.

Nas séries de desenhos: “Moças tomando banho”, “Engenho Banguê”, “Engenho Esperança”, “Passassunga”, “Cais do Porto”, “Interiores Doméstica Paisagem ”, “Brasil 500 anos”; e nas telas as manifestações da cultura popular, como “Cavalo Marinho”, “Mamulengo”, “Novena”, “Baile”, “Carnavais Tradicionais”, “Frevo”, “Samba”, entre outras, o artista nos apresenta, constantemente, a vivência, desde criança, lembrando a construção de nosso cotidiano, mesclando as artes modernas Decorativa, Simbolista e Expressionista, que resultam em detalhes de riqueza lírica, transmitindo a lenda do folclore pernambucano, nacional e os costumes da Região Nordeste. Suas composições dizem muito sobre o imaginário cultural e social de épocas passadas, que ainda estão vivos em nossa sociedade contemporânea.

Nesta exposição encontraremos uma seleção admirável da estrutura da obra de José Hugo Arruda de Paula, que nos facilitará conhecer a construção artística direta do artista, assim como sua militância sócio-política e suas referências culturais e estéticas. 


 

Um pouco de história e biografia sobre Hugo de Paula

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     A vida e a história vivida por ele é o que predomina nas suas criações, tornando-o um artista, que faz dele um comunicador, um mensageiro para todos os tempos. Sem dúvidas, a vida e a militância de Hugo de Paula merecem ser resgatadas dos bastidores da história da arte de Pernambuco e do Brasil, simplesmente porque ele constrói o imaginário artístico de nossa época junto a grande evolução que o país deu no campo das artes visuais nas décadas do 30, 40, 50 e 60 como vem descreveu o artista e curador Raul Córdula.

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       A contribuição da obra de Hugo de Paula é um anel importante na memória de nossa história recente, nas discussões e debates da época sobre arte e sociedade. Abre os olhos aos “desconhecidos”, tornando-os visíveis, nos permite aprender, a trajetória, e a história nunca contada e, por isso, nunca vista. Oferece um olhar sobre nossa sociedade que é preciso resgatar.

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         Em Bom Jardim (entre Limoeiro e Vitória de Santo Antão, nas margens do rio Tracunhaém), nasceu José Hugo, em 29 de abril de 1917, na casa-grande do antigo engenho Boa Esperança, denominado simplesmente “Fazenda Espera”. Sua descendência leva os sobrenomes de importantes famílias que fundaram Olinda e Pernambuco. Nomes como Vasco Fernandes de Lucena, primo de Duarte Coelho, primeiro prefeito da cidade de Olinda, e Anselmo Pereira de Lucena, Dr. Manuel Tertuliano Travassos de Arruda, formam as raízes dos Paula. 

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       Infância e educação dentro dos engenhos formaram o imaginário do artista, entre histórias de nobreza e realidades sociais, deixando marcas profundas que, hoje, podemos apreciar nas obras e ilustrações que ele compôs. Os anos de formação na juventude no Instituto Carneiro Leão, no Recife, deram disciplina e conteúdo à sua temperança, preparando-o para os grandes acontecimentos que enriqueceriam sua vida, tais como a retomada na publicação da Revista Literária “Sargaço”, em agosto de 1936 (pesquisa realizada por Luiz do Nascimento sobre a Imprensa de Pernambuco, volume XIII, editada pela UFPE, acervo da Fundação Joaquim Nabuco, citado na página 305) junto aos intelectuais da época, como Luiz Beltrão, Jorge Medeiros de Souza, Lauro Gusmão e Milton Persivo, onde assinava como Jose Hugo na direção artística; no mesmo ano ocorreu a fundação do Centro de Cultura Humberto Campos, do qual seu irmão Francisco Julião Arruda de Paula foi presidente, no ano 1938 (informação divulgada pelo Diário de Pernambuco do dia 27 de março de 1938)

 

     Seu primeiro ateliê tem como sede o velho sobrado, onde funcionará o Instituto Monsenhor Fabrício, na Rua Bernardo Vieira de Melo, de lado do Mercado da Ribeira, em frente às ruinas do antigo Senado de Olinda.  Seu irmão, Francisco Julião, adquiriu esse sobrado e continuou com as atividades pedagógicas que já existiam, chamando seus colegas mais próximos para assim darem continuidade as mesmas, entre eles se encontravam Eurico Ferreira da Costa, Antônio e Sindulfo Alcoforado de Almeida, José Correia e José Antônio Gonçalves, Lauriston Monteiro. Junto a eles encontrava-se José Hugo, chamado, carinhosamente, por Julião de: “Zezé”. Coube a Hugo a tarefa de ilustrar e editar a revista “Sargaço”, já que ele era estudante de belas artes e também exercia a função de professor de meninos e meninas carentes da cidade. Eles moravam dentro do sobrado. As atividades artísticas programadas dentro do Centro Cultural eram das mais variadas: teatro, palestras, exposições, reuniões sociais e políticas constituíam uma tradição em Olinda, em palavras de José Hugo “...aquilo nos proporcionou uma convivência maravilhosa, acima do que se podia esperar. Ali era o ponto de encontro dos estudantes de Medicina, Direito, Engenheira. Nos reuníamos em comunidades, aos sábados e domingos, impreterivelmente” (depoimento no livro “Francisco Julião. Uma biografia.” de Cláudio Aguiar, Civilização Brasileira, ano 2014).

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        Em 1938, ingressou na Faculdade de Arquitetura do Recife (Escola de Belas Artes), durante o curso realizou algumas obras esculturais, merecendo destaque “O Caçador”, no mesmo ano, realiza sua primeira participação em uma exposição coletiva no Palácio dos Governadores, participando com 50 desenhos, nas palavras do artista, aquilo foi “um grande sucesso”, pois os desenhos foram “apropriados” pelos visitantes, deixando-lhe ao autor a certeza de que gostaram. O desenho “Frevo” é de essa época porem, muitos anos depois ele o passou à pintura.

 

    Em 1941, partiu para o Rio de Janeiro onde novamente seu círculo intelectual e profissional se enriqueceria. Foi o começo de uma vida nova. Conseguiu emprego como desenhista no departamento de Engenheira do Ministério de Guerra, hoje Ministério do Exército, onde desenhava submarinos e navios de guerra. Tempos depois, fez o concurso para a Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, onde foi aprovado entre 60 candidatos para uma única vaga. Passou a trabalhar na área de prevenção de acidentes no trabalho, os desenhos feitos por ele esclareceriam aos operários a maneira correta de manipular os fornos na usina.
 

     Esses trabalhos deram uma monotonia, que, para o artista, tornou-se insuportável. Aquela rotina o levou a pensar em voltar para Pernambuco, foi quando o jornalista Joel Silveira (militante de esquerda, editor de “Diretrizes”, conhecido como “a víbora” em palavras de Assis Chateaubriand) foi até a siderúrgica e entrevistando o Hugo pelo cargo que ele exercia na empresa noto a sua insatisfação e falou para ele de uma vaga na empresa dos Diários Associados, do empresário Assis Chateaubriand, para ilustrar a revista O Cruzeiro. A vaga era para substituir o grande ilustrador paraibano Tomaz Santa Rosa. Hugo viajo para o Rio e ficou com a vaga assinando como Hugo na redação artística da revista O Cruzeiro desde 1944 até 1949 sob a chefia de Raquel de Queiroz.

 

     Na redação das revistas O Cruzeiro e A Cigarra foram para ele um convívio com a efervescência das artes, teatro, literatura, jornalismo e fotografia. Seus colegas e mestres foram José Lins do Rego, Augusto Rodrigues, Nelson Rodrigues, Raquel de Queiroz, Davi Nasser, Percy Deane, Tomaz Santa Rosa, Jean Mazon, Austregésilo de Athayde, Franklin de Oliveira, Acioly Neto entre outros colaboradores dos “Diários Associados”. 

 

     Na revista O Cruzeiro, por exemplo, ilustrava a primeira página, cujo texto era de Austregésilo de Athayde que foi o presidente da Academia Brasileira de Letras e presidente da Associação Brasileira de Imprensa, da qual o artista foi sócio remido.

 

     Com o intuito de preparar as pinturas que seriam parte de uma exposição na Europa, a convite do embaixador do Brasil em Londres, o senhor Paschoal Carlos Magno, Hugo de Paula decidiu voltar para Pernambuco, para a Fazenda Espera, era o ano de 1961. 

 

     Em Pernambuco, não podia deixar de participar das atividades que envolviam seu irmão Francisco Julião. José Hugo participou do jornal das Ligas Camponesas, conhecido como “A Liga”. Seu irmão, naquela época deputado federal por Pernambuco e advogado das Ligas Camponesas desde o ano de 1957, o convida para pintar um mural evocando a luta pela terra. Hugo compôs um grande painel de 90 metros quadrados, erguido na margem da estrada principal que vai para o Recife, no qual destacava cenas de um senhor de engenho mandando seu capanga castigar violentamente um camponês e de flagelados a caminhar pelas estradas sob o inclemente sol nordestino. 

 

     A forte e visível vigilância policial sobre Julião e seu entorno, como descreve no seu livro Pablo Porfírio: “Francisco Julião. Em luta com seu mito”, data dos anos 1956 nos arquivos no DOPS de PE. O painel foi removido e levado para lugar desconhecido. A perseguição por parte das forças militares e a repressão militar também chegaram para Hugo de Paula, ele passou a ser procurado, conseguiu evadir-se e voltar para o Rio de Janeiro com a esperança de achar emprego na revista O Cruzeiro, recuperar seu antigo emprego da década do 40. Mas a redação da revista havia mudado radicalmente, a mídia era totalmente oposta às lutas que José Hugo defendia e fazia parte junto com seu irmão.

 

     Ficou viajando entre Rio e Recife, por algum tempo fazendo free-lancer, ocasião em que fez o cenário da peça de teatro O Bom Burguês, de Pedro Porfirio. Seu irmão Francisco Julião lhe propôs a administração do jornal A Liga.  O jornal, divulgador da campanha pela reforma agrária no Brasil, era editado no Rio de Janeiro. Com o golpe militar de 1964, o jornal foi invadido pelo Exército em abril deste mesmo ano. Isso levou o artista à semiclandestinidade, ocultando seu sobrenome quase ao anonimato, fechando as portas de seu ateliê para o Brasil todo. Foram duas décadas de reclusão e silêncio, de produção em solitário. Casado com Maria de Lourdes, teve um único filho: Paulo Luiz Paula. Em 1977, sua esposa faleceu. Em 1980, casou-se com Maria Cleide Rocha e, em 1984, foi morar na Chácara São Pedro, na região serrana do município de Itaboraí-RJ, onde voltou a pintar e foi o renascimento do artista por 20 anos de pintura. Com a anistia de 1993, chega o convite do Secretário de Cultura do Rio de Janeiro, professor Edmundo Muniz, para fazer sua primeira exposição individual no Mezzanino da Estação Carioca do Metrô. Em outubro de 1994, fez sua segunda exposição no Hotel Le Meridien Copacabana. Também expôs no XIV Salão Nacional de Artes Plásticas, promovido pela FUNARTE/IBAC. No ano 2000, realiza sua última exposição individual na casa da Cultura Heloisa Alberto Torres, sob o patrocínio da Prefeitura de Itaboraí-RJ.

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     Em 2005, decidiu voltar para Olinda, Pernambuco, berço de sua infância, juventude e fonte inspiradora de suas composições. 

 

     Por que esta biografia? Por que Hugo de Paula? O artista é em parte o que representa em suas composições, elas são produto do que ele vivenciou, de lembranças e saudades, de seu compromisso dentro da sociedade. O resgate de Hugo de Paula tem muito a ver com nossa história recente, com o que a arte sofreu e supera durante décadas de luta, criação, censura e perseguição. Hugo de Paula tem em suas composições essas leituras e vivências, enriquecendo nossa cultura nosso conhecimento histórico, político e artístico durante décadas.
 

     É necessário e importante resgatar a obra e seu contexto para contar uma história, até agora, desconhecida e fundamental na compreensão da construção artística de Pernambuco e do Brasil. Este resgate traz benefícios incalculáveis para nossa cultura. A exposição e seu catalogo são apenas uma primeira ação, dentro de um processo de pesquisa mais profundo. A divulgação da obra e trajetória de Hugo de Paula serve para acrescentar e desvelar correntes e movimentos que se gestaram no coração da Região Nordeste e, em décadas, tão estudadas e pesquisadas por entendidos dos temas aqui abordados que se descobrem ainda por conhecer e reconhecer, para preservar e incluir, dentro de nosso patrimônio artístico.

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Fontes consultadas:
Documentos pessoais de Hugo de Paula: seus catálogos favoritos, livros de poemas, artigos de jornais e revistas especializadas (arquivo pessoal), gravação e depoimentos do artista assim como escritos deixados por ele.
Do Nascimento, Luiz: Da Imprensa de Pernambuco. Volume XIII. Editora Universitária UFPE, consulta no site da Fundação Joaquim Nabuco.
Porfírio, Pablo: Francisco Julião. Em luta com seu mito. Golpe de estado, exílio e redemocratização do Brasil. Paco Editorial. 1ª edição março 2016.
Aguiar Cláudio:  Francisco Julião. Uma biografia. Editorial Civilização Brasileira, fevereiro 2014.
Diário de Pernambuco - acervo online bndigital.bn.br/acervo-digital/diário-pernambuco/0290033
Diálogos com Maria Cleide Rocha Paula, período março 2014 a julho 2016, em Bairro Novo, Cidade de Olinda - PE.

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